A cidade e as suas obras transformam-se à cadência das estações do ano. No verão de 2017, a praça do Centro Cultural de Belém, em Portugal, foi palco de uma construção efêmera que destacou essa dimensão transitória dos lugares e das coisas. Através de uma obra de arquitetura em cortiça, capaz de estimular os sentidos e reconstituir uma mecânica do espaço, foi possível dar corpo a essa transformação do lugar e, também, experimentar a natureza dos materiais, dos seus comportamentos estruturais e o seu potencial técnico.
A Garagem Sul convidou o arquiteto José Neves a conceber uma construção multifacetada, que conjugasse diferentes usos em um objeto singular cuja vida efémera fosse, eventualmente, capaz de se prolongar na memória de quem teve a oportunidade de o experimentar.
A arquitetura efêmera e, em particular, os pavilhões de verão promovidos por instituições culturais têm oscilado entre a efervescência formal capaz de atrair atenções mediáticas e a experimentação tecnológica que construções desta natureza permitem. Ao estabelecer o programa para uma transformação estival do Centro Cultural de Belém, os idealizadores pretendiam resgatar para o palco do debate algumas noções estruturantes da arquitetura, utilizando a possibilidade de construir em escala natural para introduzir temas e aspetos muitas vezes difíceis de abordar num espaço expositivo convencional.
Para além de ser uma obra de arquitetura de referência, o Centro Cultural de Belém, projetado pelos arquitetos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado e inaugurado em 1992, conjuga várias funções e acolhe diariamente milhares de visitantes. Essa dinâmica ditou as três linhas programáticas para a encomenda do projeto: uma função lúdica, uma função cinematográfica e uma função arquitetônica.
Ao contar com o apoio generoso da corticeira Amorim, o arquiteto pôde definir um quadro de referência para trabalhar e, assim, lançar um desafio de projeto cujo resultado poderia constituir uma contribuição para a discussão dos modos e dos processos contemporâneos de projeto.
Mais do que uma arquitetura de autor, que também é, a obra construída de José Neves demarca-se por um entendimento muito preciso dos valores construtivos. O seu pensamento é capaz de aliar o peso e a qualidade dos materiais ao esforço exigido para serem transformados em obra, retirando dessa dualidade as pistas necessárias para a construção de uma linguagem formal grave e sólida. Contudo, nos seus projetos, essa materialidade só faz sentido em diálogo com as dinâmicas de utilização e compreensão dos espaços, da forma da luz, do lugar da sombra e dos movimentos quotidianos.
A partir destes dados, foi possível ensaiar o potencial que as construções temporárias têm para a experimentação arquitetônica, uma experimentação que pode ter um impacto a longo termo, bem como permitir uma consideração plena da relevância das formas construídas, contrariando a relativização circunstancial e o carácter de curiosidade a que a arquitetura efêmera tem sido votada.